25 de dezembro de 2007

Prazer em fazer o bem

POR CLAUDIA SILVEIRA

Silenciosamente, todos os dias, alguém acorda disposto a doar o seu tempo ou a investir o próprio dinheiro para ajudar o outro.

Para essas pessoas, o espírito natalino e a generosidade que ele estimula estão presentes durante todos os dias do ano e não só quando o calendário chega ao fim.

À procura de pessoas que tentam tornar o mundo melhor, a Revista da Hora encontrou sete histórias emocionantes de dedicação e amor ao próximo.

Nas páginas a seguir, você vai conhecer, entre outras pessoas, uma aposentada que distribui café da manhã às segundas-feiras, na praça da Sé (centro de SP), e um aposentado que construiu um “puxadinho” em casa para abrigar uma cooperativa que oferece emprego e renda a jovens carentes. Nenhum deles recebe qualquer retorno financeiro.

Todas as histórias servem de inspiração para que a generosidade não acabe com o passar do Natal. E, se a vontade de ajudar é muita, mas não dá para se comprometer com algo tão grandioso, um bom começo pode ser se tornar voluntário de instituições beneficentes.

O primeiro passo para começar a ajudar alguém é ter em mente que tipo de pessoa se quer auxiliar: criança, analfabeto, deficiente físico etc. Ter tempo disponível é outro pré-requisito. Afinal, o voluntário não bate ponto, mas todos contam com ele.

A aposentada do café da manhã, por exemplo, nem cogita deixar de ir à praça da Sé em uma segunda-feira e deixar uma fila esperando por ela.

Em seguida, é preciso refletir sobre o tipo de trabalho a ser realizado. “Se a pessoa tem dificuldade em lidar com sangue, talvez um hospital não seja o melhor lugar para ela freqüentar”, sugere Elaine, coordenadora de voluntários do CVV (Centro de Valorização da Vida), que preserva o sobrenome por causa do trabalho desenvolvido como voluntária.

Independentemente da proporção do trabalho desenvolvido, se ele for feito com amor e levado a sério, não é apenas a pessoa beneficiada quem sai ganhando.

As pessoas entrevistadas para essa reportagem se emocionam ao falar sobre o que sentem quando servem ao próximo. Para eles, a lógica não é se doar depois de satisfeitos, mas buscar a satisfação junto com o outro.


Renda para os jovens


O metalúrgico aposentado João Rodrigues dos Santos, 55 anos, e sua mulher, a costureira Aparecida Francisca da Silva Santos, 49 anos, participaram durante muitos anos de grupos assistenciais de alfabetização e inclusão digital no Jardim Antártica (zona norte SP), bairro onde moram.

Mas Santos não se sentia satisfeito. “Eu via que só a palavra não enchia a barriga das pessoas”, afirma.

Pensando em uma forma de gerar renda para os jovens carentes, o metalúrgico e a mulher montaram, há três anos, a Coopercob, uma cooperativa que reúne costureiras, bordadeiras e confeccionistas da região.

Santos é mais do que um voluntário, ele se doa completamente, sem se beneficiar de nada. Para ele, não tem sábado, domingo ou feriado se há trabalho.

Os 24 jovens que iniciaram o projeto já foram substituídos e estão trabalhando em outras confecções. Atualmente, são 36 cooperados, que tiram, em média, R$ 550 por mês.

“Pela lei, todo cooperado precisa entrar com algum dinheiro, mas como eu poderia cobrar de uma pessoa que nunca teve renda antes, que está atrás do primeiro emprego e que, às vezes, não tem nem endereço?”

A vida em cooperativa faz com que todos façam parte de uma nova família. “Muitos deles não tinham dinheiro para trazer comida. Na hora do almoço, escondiam-se dos outros. Os meninos passaram a repartir a refeição entre eles”, conta Santos, que tem três filhos adotivos.


“Doula” dá conforto na hora do parto

A dona-de-casa Lúcia Helena de Freitas, 54 anos, não é médica nem paciente, mas circula à vontade pelos corredores do hospital municipal Doutor José Soares Hungria, em Pirituba (zona norte de SP).

Ela é uma “doula”, voluntária que dá suporte físico e emocional às gestantes antes, durante e após o parto.

Lúcia tem dois filhos e é uma entusiasta da maternidade. Ela sabe que a sua companhia dá conforto emocional à parturiente, pois os médicos e as enfermeiras geralmente vivem atarefados.

“Existem ‘doulas’ em hospitais particulares, mas eu só poderia trabalhar em um que fosse público. É onde estão as mulheres mais necessitadas. Algumas chegam aqui sem nenhuma peça do enxoval, e a gente corre atrás para juntar roupinhas para o bebê que vai nascer”, conta.

A recompensa para Lúcia é o vínculo que ela cria com as parturientes. “A gente acaba ganhando a confiança delas e vira até uma mãe. Como moro perto do hospital, às vezes, acabo encontrando algum bebê que vi nascer passeando com a mãe pela rua. Elas me mostram as crianças orgulhosas. Fico muito feliz em participar disso”, conta Lúcia.

Como não tem um dia de trabalho em que Lúcia deixe de ver uma criança vir ao mundo, são muitas as histórias emocionantes que ela guarda em mais de seis anos de voluntariado.

“Tinha uma garota que não queria o filho que tinha acabado de ter. A gente conversou com ela durante todo o tempo em que ela esteve aqui. No dia de ir embora, ela disse: ‘Eu não ia levar o bebê para casa, mas, por sua causa, eu quero levar ele sim’”, conta, emocionada.


Café na Sé toda segunda


Passam poucos minutos das 6h, e uma pequena fila começa a se formar na praça Sé (região central de SP). São desempregados e moradores de rua que esperam pelo café da manhã trazido toda segunda-feira pela aposentada Maria Santana de Jesus, 69 anos.

Quando ela chega, por volta das 6h30, já são cerca de 300 pessoas.

A idéia de distribuir comida na praça da Sé surgiu há oito anos, após um encontro do qual Maria nunca mais se esqueceu. Ela passava pelo local em uma manhã de inverno, quando viu um homem jovem e triste vestindo apenas uma calça.

“Vi que ele estava com frio e perguntei por sua roupa. Paguei um café para ele e prometi voltar no dia seguinte com agasalho e mais comida. No outro dia, nem sinal do rapaz. Perguntei a todo mundo por ele, mas ninguém sabia de nada”, relembra.

Como Maria estava com sacolas de comida e de roupa, distribuiu tudo ali mesmo, entre os moradores de rua.

“Começou um alvoroço, e eu disse: ‘Não é preciso fazer isso porque, enquanto eu estiver viva, não vão faltar café e pão para vocês toda segunda-feira’”, conta.

Maria, que ganha pouco mais de R$ 500 de aposentadoria e tem quatro filhos adotivos, paga R$ 25 por 200 pães e ganha outros cem de doação. A manteiga, o café e o chocolate em pó também são pagos do próprio bolso. A mortadela e o leite são doações.

“Eu peço a Deus que ele me ajude e me dê saúde para eu fazer isso. O resto eu posso ir buscar. Se eu ficar de cama e imaginar essa fila toda me esperando, eu vou morrer.”


Satisfação na piscina da AACD

A voluntária Carmem acompanha a aula de natação de Kethelin Galvão, de sete anos

Um dos dias mais esperados na semana da dona-de-casa Carmem Lúcia Arantes, 59 anos, é a segunda-feira, dia em que ela atua como voluntária nas piscinas da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente).

“Há dez anos, eu entro aqui e tenho esse lugar como o meu mundo, a minha vida, a minha casa”, afirma Carmem, que auxilia nas aulas de natação e também coordena um grupo de 15 voluntários.

“Ajudar uma criança a perder o medo da água ou acompanhar o desenvolvimento de um adulto, como vê-lo diminuir a atrofia muscular ou melhorar a respiração, é muito gratificante. Eu não recebo em dinheiro, mas ganho muito mais na forma de amor e carinho. Isso não tem quem pague”, afirma a dona-de-casa.

A aproximação de Carmem com a associação ocorreu há 12 anos, quando seu ex-genro sofreu um acidente e ficou paraplégico. “Sempre tive vontade de fazer algum trabalho voluntário, mas não achava tempo porque tinha uma loja para tomar conta”, relembra.

“Hoje em dia, quando vejo alguém reclamando da celulite ou da unha quebrada, digo para fazer uma visita à AACD. A gente muda a nossa visão sobre a vida quando entra lá”, completa.


Uma nova vida como cabeleireiro

Quando o vigia Querubim Pereira Prado, 57 anos, chega à casa de saúde Nossa Senhora de Fátima, em Pirituba (zona norte de SP), ele vira o centro das atenções entre as pacientes mais vaidosas.

É assim toda segunda-feira, há quase quatro anos, desde que ele se tornou responsável pelo corte dos cabelos na instituição, que atende a pessoas com problemas psiquiátricos.

Mas o manejo com as tesouras não é brincadeira de amador, é coisa séria, pois Prado também trabalha em um salão de beleza próprio.

“Sempre tive vontade de fazer alguma coisa em benefício dos outros, mas, como sou muito tímido, tinha dificuldade em tomar a iniciativa. Um dia, a minha mulher ouviu de uma freira que a casa de saúde estava precisando de um cabeleireiro, e eu me ofereci”, relembra Prado.

Nas manhãs do seu dia de folga na empresa onde trabalha como vigia, o cabeleireiro pega seu pente e sua tesoura e vai caminhando até a cada de saúde. “A última vez que faltei foi porque estava muito doente”, conta, enquanto apara as pontas dos cabelos de uma paciente.

“Quero manter o corte e só diminuir um pouco do volume na parte de trás”, orienta uma senhora, com cerca de 50 anos.

“Eu sinto muito orgulho quando termino o corte e a pessoa diz que gostou. É um serviço normal, eu pergunto como elas querem, e elas descrevem. Algumas até chegam com revistas na mão e pedem o corte da moda.”

Enquanto Prado corta as madeixas de uma paciente, a fila não pára de crescer. A cada visita, o cabeleireiro atende a cerca de 14 pessoas e outras tantas ficam para a próxima segunda-feira. Em troca, Prado ganha novas amizades.

“Como sou muito tímido, isso me ajuda. Já liguei para umas três pacientes depois para saber como elas estavam”, conta.

“Eu não faço isso com qualquer interesse. Quero fazer a minha parte para melhorar a vida das pessoas. Se todos pensassem assim, seria muito bom.”


Histórias gravadas dão acesso a cegos

A jornalista Mariangela Paganini, 49 anos, entrou no mundo dos cegos depois que a sua única filha, Lethicia, 16 anos, começou a perder a visão ainda criança. Há um ano, a garota ficou completamente cega.

Nessa época, uma das grandes dificuldades de Mariangela era encontrar livros do ensino médio adaptados para deficientes visuais.

Um dia, circulando pela biblioteca braille do CCSP (Centro Cultural São Paulo), Mariangela ouviu um usuário pedir um livro em áudio.

“Pensei que esse recurso seria a solução para que minha filha tivesse acesso a esses livros”, relembra. Assim, a jornalista passou a gravar obras para Lethicia e teve a idéia de gravar romances para aumentar o acervo da biblioteca.

“Ofereci-me para ser voluntária, fiz um teste e, no mesmo dia, saí de lá com dois livros para gravar.” Assim, ela se tornou uma “ledora de livros em tinta”, nome informal desses profissionais.

“Como eu tinha montado um estúdio improvisado em casa com uma mesa de som, passei a gravar partes sozinha e levar para editarem na biblioteca.”

Em um ano, Mariangela já gravou seis livros, entre eles “Anjos e Demônios”, de Dan Brown, com mais de 460 páginas. “Nem que seja bem tarde da noite, eu dedico o meu tempo para gravar esses livros”, diz.

Por semana, entrega cerca de três horas de áudio. Atualmente, Mariangela está gravando um livro policial. “Na hora em que me disponho a gravar, eu me concentro como se fosse qualquer trabalho remunerado. É muito estranho, não dá para explicar, enche a alma de alegria.”


Balé tira crianças carentes das ruas

Dez anos atrás, a fisioterapeuta e professora de balé Vanessa Robortella Grzywacz tinha 20 anos, morava na Vila Guilherme (zona norte de SP) e não se conformava em ver tantas crianças carentes na rua pedindo esmola ou vendendo doces.

Com a ajuda do namorado, a jovem alugou um galpão por R$ 500 no bairro e criou a Associação Arte & Vida, um espaço para essas crianças passarem a manhã tendo aulas gratuitas de balé.

“Comecei com alunas de uma creche e estendi para as irmãs delas. Depois, percebi que também precisava ensinar noções de higiene pessoal”, relembra Vanessa. Com o tempo, vieram os meninos e as aulas de reforço escolar e jiu-jítsu.

“Se uma criança faltava, eu ia à casa dela saber o porquê. Ficava inconformada ao ver que o pai dela não conseguia arranjar emprego e que ela não tinha o que comer. Eu queria mudar o mundo sozinha.”

Hoje, o espaço atende a 160 crianças. Uma das professoras voluntárias é Wadila Medeiros, 19 anos, que participa da Arte & Vida desde que tinha dez anos, quando começou como aluna.

Neste mês, ela se formou professora e já conseguiu o seu primeiro emprego. “Quando soube que ela ia começar a trabalhar, fiquei muito orgulhosa.”

Reportagem publicada na Revista da Hora do dia 23/12/07

Fotos: Agora SP